Para equilibrar as duas questões, é importante ter suporte das organizações e apoio do(a) cônjuge
Conciliar maternidade e carreira sempre exigiu um grande esforço por parte das mulheres. Desde a antiguidade, há uma tendência de separação clara de papéis nas sociedades: o trabalho e o sustento da família eram tradicionalmente associados aos homens, enquanto o cuidado da casa e dos filhos era mais vinculado ao universo feminino. Por isso, quando as mulheres começaram a sair da esfera doméstica e reivindicar seu espaço no mercado, muitas passaram a enfrentar uma tripla jornada, já que, além de seus cargos profissionais, as expectativas de organização do lar e responsabilidade pelos filhos continuaram recaindo sobre elas.
Há muitos vieses inconscientes nesse sentido, internalizados tanto pelos homens quanto por nós, mulheres. Somos vistas historicamente como cuidadoras, o que está relacionado não só ao fato natural de termos uma conexão mais íntima e direta com as crianças – devido à gestação e à amamentação, por exemplo –, mas também a questões estruturais e sociais, que estabelecem uma divisão desigual na dedicação aos filhos. Assim, por um lado, pode haver uma falta de percepção ou de interesse do companheiro em equilibrar essa balança e, por outro, nós, as próprias mulheres, podemos ter dificuldade para se desvincular dessas noções e compartilhar as responsabilidades.
É verdade que as coisas evoluíram ao longo dos anos, mas os desafios para conciliar maternidade e carreira ainda preocupam e são uma dificuldade real para muitas mulheres. Um estudo de 2019 da Revista Crescer, por exemplo, aponta que 94% das mães brasileiras acham difícil equilibrar as duas esferas e 64% tiveram a vida profissional prejudicada por conta da maternidade, seja por recusar projetos ou promoções para terem mais tempo com os filhos ou porque deixaram de ser promovidas devido ao fato de serem mães. Outro problema é que cerca de 48% das profissionais saem do mercado de trabalho até depois de um ano da volta da licença-maternidade, sendo que a maior parte das demissões ocorre sem justa causa e por iniciativa da empresa, segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizada com 247 mil mulheres. Isso impacta negativamente sua carreira e dificulta a contratação.
Qual pode ser o papel das empresas?
Encarar os desafios de ser mãe e profissional ao mesmo tempo se torna menos difícil quando recebemos suporte das organizações. Como os dados mostram, muitos empregadores passam a desvalorizar a mulher a partir do momento em que tem filhos, sem levar em conta os talentos em potencial, a diversidade e o valor que essas pessoas agregam para a organização. Nesse sentido, dialogar e ser flexível são dois pontos fundamentais. Proporcionar uma maior flexibilidade para as mulheres que são mães, incluindo horários ajustáveis e a possibilidade de trabalho remoto ou híbrido, por exemplo, podem facilitar a rotina.
Porém, para isso, é importante conhecer a realidade das profissionais – o que requer comunicação aberta, escuta ativa e uma boa dose de empatia – e verificar se tais medidas realmente auxiliam e trazem um impacto positivo. Afinal, a implementação eficaz de políticas para ajudar as colaboradoras depende do conhecimento prévio sobre as necessidades delas, o que só pode ser feito por meio da observação e, principalmente, do diálogo.
Nesse sentido, é importante também que as organizações tenham proatividade com as mulheres. Em vez de esperar que elas peçam ajuda ou tentem negociar uma flexibilização, a organização, através das lideranças em conjunto com as áreas de pessoas, pode tomar a iniciativa de criar medidas de apoio e acolhimento. Isso é importante tanto para quem está vivendo a experiência da maternidade, e todas as mudanças que isso traz, quanto para a própria empresa, pois, quando as profissionais têm esse apoio proativo, elas tendem a valorizar mais a organização e a se engajar no trabalho – sem contar que ficam menos sobrecarregadas, o que contribui para sua produtividade.
Outra medida que poderia facilitar a conciliação entre maternidade e carreira é a licença parental compartilhada, já uma realidade em vários países. Trata-se de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que está em tramitação no Congresso Nacional e busca substituir a licença-maternidade (atualmente de 120 dias) por uma licença com duração de 180 dias, que podem ser divididos entre os genitores ou responsáveis legais das crianças. Se for aprovada, a ação pode tornar mais equilibrada a divisão do cuidado com os filhos desde cedo.
Maternidade e carreira: como as mulheres podem lidar?
Reflexões internas também são importantes para nós que estamos vivenciando a maternidade e, ao mesmo tempo, mantendo a vida profissional. Essa experiência muitas vezes traz um sentimento forte de culpa: tendemos a achar que somos mães ruins por nos comprometermos com o trabalho, ou que somos profissionais ruins por dedicarmos tempo aos filhos, ou os dois simultaneamente. Ao longo do tempo, isso gera um desgaste emocional que pode até mesmo fazer mal à saúde. Então, é fundamental, em primeiro lugar, refletir sobre o que realmente queremos e podemos fazer nesse momento, ou seja, se desejamos conciliar as duas coisas ou nos dedicar somente a uma delas – o que envolve também discussões sobre questões financeiras e o contexto da organização e da família.
Seja qual for o caso, é importante buscar apoio para lidar com a situação e conduzi-la da melhor forma possível. Isso inclui, para começar, conversas abertas com o companheiro(a) para fazer combinados e acordos. Quando há alinhamento sobre as expectativas e responsabilidades de cada um e consenso entre as partes, o processo se torna mais fácil. É necessário destacar, ainda, a importância de o(a) cônjuge apoiar e auxiliar a mulher nessa vivência da maternidade, especialmente se for uma experiência inédita.
Outro ponto interessante a ser considerado é que as crianças são mais flexíveis do que se imagina. Muitas vezes sofremos mais do que os filhos com o processo de conciliação entre maternidade e carreira, como, por exemplo, quando há necessidade de deixá-los sob o cuidado de outras pessoas. Porém, a verdade é que, em geral, os pequenos conseguem se adaptar com certa facilidade a mudanças e novidades, o que pode ser um importante consolo para nós.
Por fim, também é uma possibilidade que as mulheres participem de grupos de apoio e conversem com pessoas que estão passando pela mesma situação. Uma opção é o coaching em grupo : essa modalidade reúne várias pessoas que têm algo em comum, neste caso mães que trabalham, com o objetivo de promover integração, colaboração e trocas de experiências e estimulá-las a explorar soluções em conjunto. Isso serve como uma importante válvula de escape, de motivação, empoderamento e responsabilização, ajudando as mães a lidar melhor com os desafios da maternidade e da vida profissional. Leia também nossos textos sobre comunicação para mulheres e liderança feminina!